Sentindo estar em dívida com o
maravilhoso estado do Maranhão, uma vez que na aventura anterior faltava o trecho Paulino Neves a Bareirinhas o qual fizemos de lancha pelo rio preguiças, resolvemos então partir de Paulino Neves, via Barreirinhas
até São Luis, capital do estado do Maranhão.
O grupo era formado por Armando, Djalma, Ivan e
Tácio.
De carro, nos deslocamos de Natal até Paulino
Neves onde após um dia e meio de
viagem, chegamos ao início da pedalada.
Após
um simples e saboroso almoço a base de peixe, decidimos pegar a estrada ao
meio dia e quinze no típico calor maranhense. - Só prá criar marra...
Indagando aos locais sobre a situação da estrada todos afirmavam que seriam 94km de
barro. Imaginei que a tradução do barro para o nosso idioma seria o mesmo que
a conhecida piçarra. Não era! Barro prá eles é uma mistura de areia e alguns
trechos mais sólidos.
De início, foram distribuídos um sol para cada um de nós. Com
os pneus super cheios, as atoladas e quedas começaram a fazer parte do
espetáculo. Djalma, o estreante em viagem e mais ainda em areia, beijava o chão como o Supremo Pontífice.
Perguntava se o sabor de
aventura tinha sempre esse gosto de areia.
A estrada cortava a mata de
transição e era presenteada por belos
rios de águas límpidas e refrescantes onde nos banhávamos com vontade. O
lugar se caracterizava pela pobreza a as poucas pessoas que encontrávamos nos
pequenos aglomerados populacionais tinham feições nitidamente indígenas. Fácil
inferir pelo comportamento passivo e olhares
difíceis de serem decifrados.
Alguns toscos quebra-molas feitos com troncos de
buriti era a única autoridade encontrada na região em que motos sem placas,
quadriciclos idem, circulavam livremente como transporte legal. Completando o quadro, Pick-ups Toyota com a carrocerias cobertas
com toldo e os bancos de madeira faziam o papel destinado aos ônibus. No
entanto, havia um respeito a nós ciclistas quando cruzávamos por essas
curiosidades
. Em alguns poucos povoados, pequenas choupanas cobertas com palhas de
buriti, ao estilo indígena serviam, água, cerveja, refrigerante Cola Jesus,
com direito a trilha sonora Tecnobrega. Um estilo que na comparação deixaria Reginaldo Rossi classificado como músico erudito.
Após rodamos pouco mais de 60km a noite já
se fazia presente. Djalma sempre um pouco mais atras, nos permitia, ao espera-lo, apreciar o silêncio encantador da
floresta e o voo dos pássaros
noturnos.Em uma dessas paradas, aguardamos
por ele com ansiedade já que a espera se tornara muito demorada. Em
certo momento, Tacio por ter mais gás (gás? Ah, deixa prá lá), decidiu voltar
para averiguar o motivo da demora. Ao tomar a decisão começamos a avistar uma luz na escuridão. Pairou a dúvida entre nós.
Seria uma moto? Mas logo se dissipou pois o farol passava da vertical para a
horizontal com frequencia. Dedução lógica. Era Djalma que caía e se
levantava.
Pelas informações obtidas dos
locais, havia um povoado de nome Cardoza, com restaurante e algo que não
conseguia entender que seria um lugar para dormir.
Poderíamos ter a certeza da distãncia,
se tivéssemos feito o roteiro utilizando-se das ferramentas tecnológicas
disponíveis a quase todos. Google maps, Earth, GPS, só prá citar os mais
conhecidos. No entanto, isso certamente anularia o valor da aventura, o
verdadeiro sabor cujo tempero é o inusitado.
Já
estourando a previsão dos km restantes, não víamos nenhuma luz que pudesse
iluminar a nossa expectativa.
De
repente um claro no meio da estrada e finalmente chegamos em um restaurante
nos moldes maranhenses em que o som tecnobrega estuprava os tímpanos. Mas era
um verdadeiro oásis. Indaguei a algumas pessoas que bebiam atrás da tampa da
mala aberta de uma Pajero se alí era
a Cardoza. Eles, sem entender aqueles trajes de ciclísta que poderiam ser
confundidos com a Polícia e talvez com alguma dívida no ilícito, olharam desconfiados e quase me ensinaram um
caminho errado para que eu me afastasse dali o
mais rápido possível. Mas, após me explicar,mudaram o tratamento e por
pouco tive que distribuir
autógrafo quando viram que estava apenas pedalando. Havíamos percorrido 68 km
nesse primeiro dia. Nada mal considerando a saída ao meio dia e quinze em um
trecho de areia.
Estávamos então na Cardoza. No pequeno
restaurante tomamos banho, pedimos o jantar e quando perguntamos quanto pagaríamos
pela dormida fomos surpreendidos pelo preço. Não iria nos cobrar nada por ela.
Então o grande anfitrião armou redes para todos e me ofereceu um
quarto com cama já que não tenho o costume de dormir pendurado. Sábia decisão
pois pela manhã, aqueles que estavam nas redes sofreram com o inesperado frio.
Já pela manhã bem cedo, em trajes indígenas,
tomamos um banho no rio de águas transparentes
para dar mais gás aos 26 km restantes do trecho de barro até chegar ao asfalto,
na entrada de Barreirinhas.
Este último trecho de areia parecia
nos provocar pois foram os mais
difíceis por serem mais arenosos.
Mais uma parada em um quiosque à beira
de mais um rio prá lavar o cansaço e finalmente o asfalto. O trecho era tudo
de bom. Plano, vento favorável, pouco transito, e um bom acostamento.
Coroa maior catraca menor girando alto
e a velocidade beliscando os 40km.
Um restaurante a beira de um rio limpo nos
convidou ao almoço.O local era bem organizado
no visual mas não tinha cardápio e os preços eram totalmente diferentes na
hora do pagamento. O que foi calculado em R$ 60,00 passou
para R$ 90,00. Mais o que nos chamava mais a
atenção era os seus frequentadores.
Parecia um encontro de alguma manifestação
do orgulho Gay. E nós com a roupa de ciclista colorida bem colada ao corpo,
por precaução não saíamos de perto das Bikes para não sermos confundidos...
Mais
pedal em um bom trecho e paramos para tomar água gelada quando o Djalma falou
que não havia nenhum pneu furado até então. Alertei para ele falar baixo prá não acontecer. Pronto. Ao
iniciarmos acontece o primeiro furo.
Divergências nas informações sobre as
distancias da próxima cidade era constantes nas respostas dadas pelos
maranhenses. A mais curiosa delas, ao indagar sobre o próximo povoado ouvi a seguinte frase: “Não tá longe
mas tá longe”
A noite nos encobria e nada da cidade
aparecer. Em uma subida vimos a luz de um posto de combustível. Perguntei
qual era a distância da próxima cidade e fui informado que saindo da BR a
14km encontraríamos a sede do município Humberto de Campos. Não sendo sensato pedalar 28km contando-se ida e
volta, decidimos deixar as Bikes no posto, em segurança, e decidimos pegar um taxi para dormir na
cidade para, no dia seguinte, voltar e continuar pela Br. Ao olharmos de lado, havia uma viatura da polícia com um policial fardado que
se ofereceu para nos levar até Humberto de Campos tendo em vista que ele estava
indo prá aquela localidade. Claro que aceitamos mas com uma exigência feita
por Armando Maninho. Iria na parte traseira onde viajam os delinquentes.
Queria experimentar o “conforto” de um camburão..
Ao chegarmos à pousada naquela viatura, e ao
abrir a tampa da mala o atendente
naturalmente assustado fechou a porta do estabelecimento com receio de ter que
hospedar marginais. O policial então explicou a situação e tudo terminou em
risos.
Djalma é ciclista de Speed e
naturalmente sua sapatilha é especifica para o pedal de magrela. Utilizando
uma Montain Bike nessa viagem, ele pediu por empréstimo, uma sapatilha
adequada a um amigo. Naturalmente com o passar dos quilometros ele começou a
sofrer com o aperto na ponta dos pés. Tácio propós o corte no bico da
sapatilha deixando os dedos expostos
ao vento. Estava criado o modelo Zé Lezim que diz que pobre quando o
sapato é frouxo, calça com jornal e quando é apertado, corta-se o bico.
Às cinco da matina, num acesso de saudosismo
da caserna, Djalma até então chamado de Coronel começa a gritar: “alvoradaaaa, acorda prá
cuspir pois passarinho não deve nada e já esta voando”! A partir desse mantra
matinal Djalma ficou conhecido como
Alvorada. Virou até Ringtone do telefone de Tácio.
Então tentamos voltar para o posto da
entrada da cidade para continuar a
nossa pedalada e o mototaxista nos cobrou R$10,00 de cada um para percorrer
apenas 28 kilometros. Meio sem noção de preços, acertamos com uma saveiro que
levou nós quatro a R$30,00.
E o trecho, hein? Continuava tão bom que com duas paradas rápidas fizemos
60km em duas horas e meia.
Perto da hora em que o sol cozinha o
juízo, paramos em mais um belo rio de águas límpidas e frias. Umas lavadeiras
com suas filhas davam um trato nas roupas sujas e trocamos experiências em um
diálogo quase sem palavras.
Logo acima, um restaurante e pousada
de boa qualidade contrastando com o cenário de floresta nos seduziu à parar e
almoçar. Comida boa e barriga cheia nos dá uma vontade de jiboiar.
Indaguei sobre o preço da diária e a
atendente falou em R$120,00. Como necessitávamos apenas de uma descansada,
perguntei qual seria o valor por apenas uma hora. Após consultar a
calculadora que deveria estar turbinada ela respondeu que faria por R$ 50,00. Em um cálculo rápido 50 reais x
24 horas daria uma diária no valor de R$1.200,00. Argumentei que nem um bons hotéis se cobra um preço assim. Não teve acordo. Deitamos alí mesmo no chão e
recarregamos as nossas baterias. Vá entender essa lógica!
O que era estrada maravilhosa, começou a mudar. Subidas
e descidas como se estivéssemos pedalando nas costas de uma manada de camelos
gigantes. Cada descida, uma subida.
Então chegamos a BR que dá acesso principal
a capital do Maranhão. Faltavam 58KM e a estrada era uma sentença de morte
anunciada para qualquer ciclista. Trafego pesado com várias carretas,
acostamento inexistente e as laterais como se fossem bordas de pizzas. Prá
complicar, o sol estava de frente para nós o que dificultava mais ainda a
pedalada. Um ônibus passou depilando o braço do coronel e decidimos mudar a estratégia.
Perguntamos
a um frentista se a BR seria assim até São Luis. Como resposta ele falou que
com mais 18km iríamos encontra-la já duplicada. Então, por segurança,
fretamos uma Saveiro que mais parecia uma sauveiro de tanto buraco na
lataria. Três pessoas na cabine, quatro bicicletas na caçamba e Tácio e
Armando segurando as Bikes, era lucro considerando o risco que correríamos naquela
estrada. Ao iniciarmos a subida de uma ponte em arco em que logo abaixo
iniciava a duplicação, falta combustível na Saveiro. Nós empurrando aquela
porcaria e as carretas passando raspando. Ufa!
Com a duplicação
nos deu um grande alívio. Mas já era noite e uma chuva fina nos pintávamos
com um spray de sujeira nas costas. O cenário era indiano com barracas com a
estética da pobreza e os sinais de insegurança em Neon. Paramos em uma
pequena lanchonete toda cercada de grades. Veio uma moça, abriu a porta e
pediu que eu colocasse a Bike prá dentro mesmo ela estando ao alcance da
visão. Bebemos um suco de caixa e seguimos em direção ao hotel sugerido por
um casal que se espantava com a nossa aventura. Após “tourear” com os carros
que entupiam as ruas, chegamos finalmente a Pousada. O odômetro marcava
348km.
Bem cedo, fomos à Rodoviária para
comprar as passagens de volta ao carro que ficou em Paulino Neves, e fomos
conhecer o Centro histórico de São Luis.
A cidade foi construída pelos franceses e
preserva na arquitetura a riqueza colonial. Só ficamos frustrados por não
termos comida Jussara que é o nome dado ao Açaí pelos maranhenses e que tem
características bem diferentes da forma que é servido no restante do País.
Mas podemos provar o refrigerante Cola Jesus que é típico do maranhão cuja
cor é rosada. Não é grande coisa, mais faz parte da curiosidade de qualquer
turista experimentar o inusitado. Pedalamos bastante pela belíssima orla e
voltamos a Rodoviária com direito a uma chuva tropical.
Alí
terminava mais uma aventura do quarteto mágico mas com o pensamento voltado
para a próxima aventura. Nos planos está a travessia do Uruguai até Buenos
Aires. Um grande incêndio sempre começa com uma pequena fagulha.
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