sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

No pedal de Paulino Neves ( Lençóis Maranhenses) até São Luis.


Por Ivan Nóbrega. 




            Sentindo estar em dívida com o maravilhoso estado do Maranhão, uma vez que  na aventura anterior  faltava o trecho Paulino Neves  a Bareirinhas o qual  fizemos de lancha  pelo rio preguiças, resolvemos então  partir de Paulino Neves, via Barreirinhas até São Luis, capital do estado do Maranhão.
                O grupo  era formado por Armando, Djalma, Ivan   e Tácio.
             De carro, nos deslocamos de Natal até Paulino Neves onde  após um dia e meio de viagem, chegamos ao início da pedalada.


              Após um simples e saboroso almoço a base de peixe, decidimos pegar a estrada ao meio dia e quinze no típico calor maranhense. - Só prá criar marra...
             Indagando aos locais sobre  a situação da  estrada todos afirmavam que seriam 94km de barro. Imaginei que a tradução do barro para o nosso idioma seria o mesmo que a conhecida piçarra. Não era! Barro prá eles é uma mistura de areia e alguns trechos mais sólidos.
          De início, foram  distribuídos um sol para cada um de nós. Com os pneus super cheios, as atoladas e quedas começaram a fazer parte do espetáculo. Djalma, o estreante em viagem e mais ainda em areia, beijava  o chão como o Supremo Pontífice.
            Perguntava se o sabor de aventura tinha sempre esse gosto de areia.
        A estrada cortava a mata de transição e era presenteada  por belos rios de águas límpidas e refrescantes onde nos banhávamos com vontade. O lugar se caracterizava pela pobreza a as poucas pessoas que encontrávamos nos pequenos aglomerados populacionais tinham feições nitidamente indígenas. Fácil  inferir  pelo comportamento passivo e olhares difíceis de serem decifrados. 


Alguns toscos quebra-molas feitos com troncos de buriti era a única autoridade encontrada na região em que motos sem placas, quadriciclos idem, circulavam livremente como transporte legal.  Completando o quadro,  Pick-ups Toyota com a carrocerias cobertas com toldo e os bancos de madeira faziam o papel destinado aos ônibus. No entanto, havia um respeito a nós ciclistas quando cruzávamos por essas curiosidades
.      Em alguns poucos povoados,  pequenas choupanas cobertas com palhas de buriti, ao estilo indígena serviam, água, cerveja, refrigerante Cola  Jesus,  com direito a trilha sonora Tecnobrega.    Um estilo que na comparação  deixaria Reginaldo Rossi classificado como músico erudito.


        Após rodamos pouco mais de 60km a noite já se fazia presente. Djalma sempre um pouco mais atras, nos permitia,  ao espera-lo,  apreciar o silêncio encantador da floresta  e o voo dos pássaros noturnos.Em uma dessas paradas, aguardamos  por ele com ansiedade já que a espera se tornara muito demorada. Em certo momento, Tacio por ter mais gás (gás? Ah, deixa prá lá), decidiu voltar para averiguar o motivo da demora. Ao tomar a decisão  começamos a avistar uma luz  na escuridão. Pairou a dúvida entre nós. Seria uma moto? Mas logo se dissipou pois o farol passava da vertical para a horizontal com frequencia. Dedução lógica. Era Djalma que caía e se levantava.
         Pelas informações obtidas dos locais, havia um povoado de nome  Cardoza, com restaurante e algo que não conseguia entender que seria um lugar para dormir.
         Poderíamos ter a certeza da distãncia, se tivéssemos feito o roteiro utilizando-se das ferramentas tecnológicas disponíveis a quase todos. Google maps, Earth, GPS, só prá citar os mais conhecidos. No entanto, isso certamente anularia o valor da aventura, o verdadeiro sabor cujo tempero é o inusitado.
     Já estourando a previsão dos km restantes, não víamos nenhuma luz que pudesse iluminar a nossa expectativa.
       De repente um claro no meio da estrada e finalmente chegamos em um restaurante nos moldes maranhenses em que o som tecnobrega estuprava os tímpanos. Mas era um verdadeiro oásis. Indaguei a algumas pessoas que bebiam atrás da tampa da mala aberta de uma Pajero    se alí era a Cardoza. Eles, sem entender aqueles trajes de ciclísta que poderiam ser confundidos com a Polícia e talvez com alguma dívida no ilícito, olharam   desconfiados e quase me ensinaram um caminho errado para que eu me afastasse dali  o  mais rápido possível. Mas, após me explicar,mudaram o tratamento e por pouco tive que distribuir autógrafo quando viram que estava apenas pedalando. Havíamos percorrido 68 km nesse primeiro dia. Nada mal considerando a saída ao meio dia e quinze em um trecho de areia.


        Estávamos então na Cardoza. No pequeno restaurante tomamos banho, pedimos o jantar e quando perguntamos quanto pagaríamos pela dormida fomos surpreendidos pelo preço. Não iria nos cobrar nada por ela.
        Então o grande anfitrião armou redes para todos e me ofereceu um quarto com cama já que não tenho o costume de dormir pendurado. Sábia decisão pois pela manhã, aqueles que estavam nas redes sofreram com o inesperado frio.
         Já pela manhã bem cedo, em trajes indígenas, tomamos  um banho no rio de águas transparentes para dar mais gás aos 26 km restantes do trecho de barro até chegar ao asfalto, na entrada de Barreirinhas.


        Este último trecho de areia parecia nos provocar pois foram  os mais difíceis por serem mais arenosos.
       Mais uma parada em um quiosque à beira de mais um rio prá lavar o cansaço e finalmente o asfalto. O trecho era tudo de bom. Plano, vento favorável, pouco transito, e um bom acostamento.


       Coroa maior catraca menor girando alto e a velocidade beliscando os 40km.
      Um restaurante a beira de um rio limpo nos convidou ao almoço.O local  era bem organizado no visual mas não tinha cardápio e os preços eram totalmente diferentes na hora do pagamento. O que foi calculado em R$ 60,00 passou para R$ 90,00. Mais o que nos chamava mais a  atenção era os seus frequentadores.


      Parecia um encontro de alguma manifestação do orgulho Gay. E nós com a roupa de ciclista colorida bem colada ao corpo, por precaução não saíamos de perto das Bikes para não sermos confundidos...
       Mais pedal em um bom trecho e paramos para tomar água gelada quando o Djalma falou que não havia nenhum pneu furado até então. Alertei para ele falar  baixo prá não acontecer. Pronto. Ao iniciarmos acontece o primeiro furo.
     Divergências nas informações sobre as distancias da próxima cidade era constantes nas respostas dadas pelos maranhenses. A mais curiosa delas, ao indagar sobre o próximo povoado ouvi a seguinte frase: “Não tá longe mas tá longe”   
          A  noite nos encobria e nada da cidade aparecer. Em uma subida vimos a luz de um posto de combustível. Perguntei qual era a distância da próxima cidade e fui informado que saindo da BR a 14km encontraríamos a sede do município Humberto de Campos. Não sendo  sensato pedalar 28km contando-se  ida e  volta, decidimos deixar as Bikes no posto, em segurança,  e decidimos pegar um taxi para dormir na cidade para,   no dia seguinte, voltar e continuar pela Br. Ao olharmos de lado, havia uma viatura da polícia com um policial fardado que se ofereceu para nos levar até Humberto de Campos tendo em vista que ele estava indo prá aquela localidade. Claro que aceitamos mas com uma exigência feita por Armando Maninho. Iria na parte traseira onde viajam os delinquentes. Queria experimentar o “conforto” de um camburão..
         Ao chegarmos à pousada naquela viatura,   e ao abrir a tampa da mala  o atendente naturalmente assustado  fechou a porta  do estabelecimento com receio de ter que hospedar marginais. O policial então explicou a situação e tudo terminou em risos.
         Djalma é ciclista de Speed e naturalmente sua sapatilha é especifica para o pedal de magrela. Utilizando uma Montain Bike nessa viagem, ele pediu por empréstimo, uma sapatilha adequada a um amigo. Naturalmente com o passar dos quilometros ele começou a sofrer com o aperto na ponta dos pés. Tácio propós o corte no bico da sapatilha deixando os dedos expostos  ao vento. Estava criado o modelo Zé Lezim que diz que pobre quando o sapato é frouxo, calça com jornal e quando é apertado, corta-se o bico.
        Às cinco da matina, num acesso de saudosismo da caserna, Djalma até então chamado de Coronel  começa a gritar: “alvoradaaaa, acorda prá cuspir pois passarinho não deve nada e já esta voando”! A partir desse mantra matinal  Djalma ficou conhecido como Alvorada. Virou até Ringtone do telefone de Tácio.
         Então tentamos voltar para o posto da entrada da cidade  para continuar a nossa pedalada e o mototaxista nos cobrou R$10,00 de cada um para percorrer apenas 28 kilometros. Meio sem noção de preços, acertamos com uma saveiro que levou nós quatro a R$30,00.


         E o trecho, hein? Continuava tão  bom que com duas paradas rápidas fizemos 60km em duas horas e meia. 
        Perto da hora em que o sol cozinha o juízo, paramos em mais um belo rio de águas límpidas e frias. Umas lavadeiras com suas filhas davam um trato nas roupas sujas e trocamos experiências em um diálogo quase sem palavras.


        Logo acima, um restaurante e pousada de boa qualidade contrastando com o cenário de floresta nos seduziu à parar e almoçar. Comida boa e barriga cheia nos dá uma vontade de jiboiar.
        Indaguei sobre o preço da diária e a atendente falou em R$120,00. Como necessitávamos apenas de uma descansada, perguntei qual seria o valor por apenas uma hora. Após consultar a calculadora que deveria estar turbinada ela respondeu que faria por  R$ 50,00. Em um cálculo rápido 50 reais x 24 horas daria uma diária no valor de R$1.200,00. Argumentei que nem um bons hotéis se cobra um preço assim. Não teve acordo. Deitamos alí mesmo no chão e recarregamos as nossas baterias. Vá entender essa lógica!
       O que era  estrada maravilhosa, começou a mudar. Subidas e descidas como se estivéssemos pedalando nas costas de uma manada de camelos gigantes. Cada descida, uma subida.
       Então chegamos a BR que dá acesso principal a capital do Maranhão. Faltavam 58KM e a estrada era uma sentença de morte anunciada para qualquer ciclista. Trafego pesado com várias carretas, acostamento inexistente e as laterais como se fossem bordas de pizzas. Prá complicar, o sol estava de frente para nós o que dificultava mais ainda a pedalada. Um ônibus passou depilando o braço do coronel  e decidimos mudar a estratégia. 


Perguntamos a um frentista se a BR seria assim até São Luis. Como resposta ele falou que com mais 18km iríamos encontra-la já duplicada. Então, por segurança, fretamos uma Saveiro que mais parecia uma sauveiro de tanto buraco na lataria. Três pessoas na cabine, quatro bicicletas na caçamba e Tácio e Armando segurando as Bikes, era lucro considerando o risco que correríamos naquela estrada. Ao iniciarmos a subida de uma ponte em arco em que logo abaixo iniciava a duplicação, falta combustível na Saveiro. Nós empurrando aquela porcaria e as carretas passando raspando. Ufa!
Com a duplicação nos deu um grande alívio. Mas já era noite e uma chuva fina nos pintávamos com um spray de sujeira nas costas. O cenário era indiano com barracas com a estética da pobreza e os sinais de insegurança em Neon. Paramos em uma pequena lanchonete toda cercada de grades. Veio uma moça, abriu a porta e pediu que eu colocasse a Bike prá dentro mesmo ela estando ao alcance da visão. Bebemos um suco de caixa e seguimos em direção ao hotel sugerido por um casal que se espantava com a nossa aventura. Após “tourear” com os carros que entupiam as ruas, chegamos finalmente a Pousada. O odômetro marcava 348km.
         Bem cedo, fomos à Rodoviária para comprar as passagens de volta ao carro que ficou em Paulino Neves, e fomos conhecer o Centro histórico de São Luis.


     A cidade foi construída pelos franceses e preserva na arquitetura a riqueza colonial. Só ficamos frustrados por não termos comida Jussara que é o nome dado ao Açaí pelos maranhenses e que tem características bem diferentes da forma que é servido no restante do País. Mas podemos provar o refrigerante Cola Jesus que é típico do maranhão cuja cor é rosada. Não é grande coisa, mais faz parte da curiosidade de qualquer turista experimentar o inusitado. Pedalamos bastante pela belíssima orla e voltamos a Rodoviária com direito a uma chuva tropical.
       Alí terminava mais uma aventura do quarteto mágico mas com o pensamento voltado para a próxima aventura. Nos planos está a travessia do Uruguai até Buenos Aires. Um grande incêndio sempre começa com uma pequena fagulha.

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